Um livro só


Nada que é imposto é prazeroso. E quando se é jovem, adolescente, somos contra tudo e todos praticamente. Por isso foi automático, na época, rejeitar a leitura de Moacyr Scliar quando nos foi exigido, na matéria de Literatura. Tínhamos 14, alguns 15 ou mais, e ler, além da página de esportes para os guris e de Júlia e Sabrina para as gurias, era um saco.

Mas no primeiro ano do secundário é assim: os guris pensam em futebol e as gurias em sainhas balonês, novas, para a próxima festa. E o tema de casa, nada... E quando chegou a vez do imortal Moacyr Scliar não foi diferente. Escolhi o título pela quantidade de páginas e na ilusão de que seria uma história fácil. Também havia poucos títulos na biblioteca da escola, o que dificultou ainda mais minha escolha [que, agora admito, seguia critérios absurdos e vadio].

O Exército de Um Homem Só foi a obra escolhida. E de fácil não tinha nada. Era uma leitura complexa, que trazia como enredo a história de um judeu vindo da Rússia para Porto Alegre, que queria fundar uma sociedade socialista, enquanto seu pai queria um filho rabino, e não revolucionário... Foi tema de filme se não me engano e da minha sinopse. Uma sinopse bem ruim, já que não gostei do livro, não gostei o autor e também não entendi nada.

No entanto, depois de ter uma nota baixa no trabalho, teve uma palestra na escola com o autor. O auditório estava lotado de estudantes secundaristas. E lá no centro do palco estava ele. Falando, falando, respondendo a perguntas, mas de uma forma tão antipática, arrogante e enfadado, que só reforçou meu desgosto.

Nunca mais quis ler nada dele. Tentei ler suas crônicas na Zero Hora, mas as achei chatas, raros um ou dois textos. Minha professora me deu a chance de refazer a sinopse depois da palestra, mas preferi ficar com a nota baixa. Não por preguiça dessa vez, mas por ter me sentido quase que desprezada durante a sua palestra.

Mesmo assim, reconheço que o Rio Grande do Sul, o Brasil e o Mundo perdeu um grande literato. Um médico literato. O tempo me ajudou a mudar a antipatia que sentia pelo judeu orgulhoso e a ver suas qualidades literárias. Ver o amor que sentia por Porto Alegre e pela escrita. Entender seu estilo, sua luta cultural e sua história de vida. Sim. É uma lástima que Moacyr Scliar tenha morrido tão cedo. Mas convenhamos, felizes de nós [de quem o gostava] que tenha deixado uma vasta obra ao longo dos seus 73 anos de vida. Mas eu vou continuar sendo a leitora de um livro só.

Para saber mais do Moacyr Scliar, clica aqui.

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