Balada do Louco

“...Eu juro que é melhor, Não ser o normal...”



Acabei de assistir ao Profissão Repórter. Adoro o Caco Barcellos, meu conterrâneo, meu xará de sobre nome. Mas aquela expressão dele de “se tu não és eu louco, eu é que sou então?” ao entrevistar dos doentes mentais, me deixou um pouco descrente do seu profissionalismo. Mesmo assim, gostei do programa que retratou, de certo, uma partícula da realidade de quem sofre de alguma deficiência mental ou psíquica.

Eu sou de Porto Alegre e sei bem como era o tratamento aplicado no Hospital Psiquiátrico São Pedro, mesmo vivendo do lado de fora dos muros e grades do manicômio - e nunca quis entrar lá. Até hoje, depois do hospício ter sido desativado e com o espaço adaptado às artes cênicas, não consigo ir. Parte disso se dá, de repente, a um medo desenvolvido ainda criança, quando ouvia história sobre choques, camisas de força e o efeito dos barbitúricos.

Só que ali na Avenida Bento Gonçalves, tão perto de casa, não havia somente o hospital psiquiátrico. Era um complexo hospitalar, que, claro, ninguém fazia questão de propagar. Morria de medo quando minha mãe ia até a administração, pagar um carnê todo mês. Lembro-me de ter perguntado a ela porque a gente tinha que ir lá, e ela respondeu, sucintamente, que era para a Vó Celina.

Quando cresci, deduzi que era para o tratamento médico contra o câncer, mas até agora não tenho certeza. A cena de ver as pessoas num estágio incompreensível para mim sempre foi mais forte. E eu entrava e saia chorando de lá, com medo de que a minha mãe me deixasse lá dentro, com o povo que eu não entendia o que dizia, o que queria e como vivia.

Teve uma vez que pedi para a Dona Odete me deixar do lado de fora. Ela não quis, afinal, a avenida era movimentada demais para uma criança de oito anos ficar sozinha [creio que devia ter essa idade]. Mas daquela vez fiquei aterrorizada. Tinha certeza que seria abandonada e já começava a dizer que ia me comportar, que não ia mais desobedecer e confessava até o que não tinha feito para não ficar no hospício. E sim, eu sabia que era um hospício. Era pra lá que ia o Bonito quando surtava.

Então, nessa vez fiz tanta birra, escândalo e coisa e tal que minha mãe me deixou com a condição que eu ficasse sentada ali na frente, na muretinha. Eu fiquei. Nem pensar em arredar o pé dali para lugar nenhum. Vá que os homens de branco com a ambulância fossem me buscar? Melhor garantir minha liberdade... Mas minha mãe demorou demais e foi então que comecei a pensar que não em mim o interesse dos homens de branco e sim nela. E entrei.

De cara não a vi e já comecei a pensar que teria que enfrentar longos corredores cinzas atrás dela, mas segui a orientação do segurança, que via por detrás da porta, naquele quadradinha de vidro das portas antigas. Depois de dobrar uma esquina, olhando para trás, quem sabe para memorizar a saída, eu vi minha mãe num guichê com grades. Foi nesse dia que perguntei o que ela estava fazendo. Fiquei com medo de que ela estivesse doente e me deixaria...

Já o Bonito é uma outra história. Afinal, assim como apresentou o Profissão Repórter, todo mundo conhece, conheceu ou já teve contato com um louco. O da minha infância era o Bonito [Jana, tu deve ter conhecido ele]. Depois deles, creio, encontrei muitos outros. Uns mais “bonitos”, outros mais “feios”, que hoje, de repente, me fariam optar pela convivência com aqueles de quem tanto tive medo quando pequena.

Comentários

Rosana disse…
Achei tudo aqui meio engraçado e ao mesmo tempo trágico!
Fiquei até com um pouco de remorso de dar risada do seu texto....mas é que fiquei pensando em vc fazendo birra na frente do hospital e batendo o pequeno pezinho: eu não entro lá não mãe! rsrsrsrsrsrs
Minha mãe já ficou várias vezes internada em sanatórios, foi uma época muito díficil,hoje graças a visão de alguns especialistas tratam as doenças mentais mais abertamente sem tantos tabus e os pacientes não se sentem tão excluídos...A esquizofrenia ainda tem um longo caminho de tratamento, mas a cura fica bem distante.
Nanda Assis disse…
suas histórias me divertem, e sempre retratando assuntos sérissimos. eu n assisti, ao profissão repoter, e adoro ver, mas vc é a melhor jornalista do mundo!!

bjosss...
jana disse…
he he he
sim não só conheci o "bonito" como era vizinha dele. a casa onde ela morava fazia fundos com a minha (acho que é assim que se fala);

algumas coisas que contam do HPSP é mentira.
meu pai e minha tia trabalham lá desde que eu me conheço por gente, meu pai conhece 80% dos pacientes pelo nome e els também. o chama de "seu chinês"
quando eu era pequena costuma passear pelo são pedro com o pai. e como sempre fui arteira um dia saí abrindo todas as portas que encontrava pelo caminho e por uma distração acabei entrando no iml e abri a porta da "geladeira" em que estava um paciente morto pendurado pelo pescoço
kkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkk
saí correndo, gritando e chorando
jana disse…
ah, quase esqueço a melhor parte
Baltazar, meu cabelereiro gay trabalha no são pedro

costumo ir até la marcar meus horários quando não o encontro pelo telefone.

só me recuso a arrumar o cabelo la pq tem os pacientes que gostam de ajudar e talz
quando menos esperar posso ser surpreendida pelo "maluco da tesoura".

P.S: meu coments agora esta igual ao "ali baba" que vc arranjou
longoooooooooooooooo
kkkkkkkkkkkkkkkkk
Rou e Nanda, vocês duas são uma figura. Sempre acham graça das minhas estórias. Ninguém me leva a sério mesmo! Hehehehe. Tudo bem, vou sobreviver.

Nanda querida, queria eu ser a melhor jornalista do Mundo mesmo. Pra isso falta muito, mesmo assim alimento o sonho da melhoria do perfil. Obrigada pelo carinho queridona.

Rou, era horrível mesmo. Acho que sempre tive essa mente imaginária ou louca, hehehe. Usava um vestidinho lindo [desde pequena amo vestidos] e as pessoas passavam e ficavam admiradas de me ver ali, sentada, sozinha, com cara de choro e medo. Um horror. Tava mais com medo de ficar ali fora com aquele povo todo do que com os loucos acho.

Jana, agora sei pq tu é assim, meio desiquilibrada. Vizinha do Bonito e frequentando o HPSP, só poderia dar nisso agora. E que "coisa de louco" isso de ter um cabeleireiro gay [hetero nessa profissão é raridade] que tb trampa no hospício. Até eu não queria ser atendida lá. Hehehe.

Eugenia, querida, uma colega tem irmão esquizofrênico; outra tinha o marido [e creio que ela tb era]; e uma outra trabalhava comigo e era de uma serenidade que qdo surtou pela primeira vez, não entendi porque havia acontecido com ela. Nem ela própria sabia explicar. Enfim, o tratamento e o pré-conceito precisam progredir muito ainda. Um em busca de qualidade de vida e melhorias e outro para o fim da discriminação e melhor entendimento...

Bjo em todos

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