E agora Obama?


Texto by Lola Aronovich

Como você já deve saber, Hillary Clinton deixou a campanha eleitoral americana, e o candidato democrata oficial vai ser mesmo Barack Obama. Obama fez discurso elogiando a persistência e a luta de Hillary (quando todo mundo, ele inclusive, só queria que ela desistisse de vez); Hillary fez discurso dizendo que o principal, agora, é impedir que os republicanos consigam um terceiro mandato consecutivo (inacreditável que tenham chance, com Bush Jr. coletando os piores índices de aprovação da história). Eu gosto do Obama. Acho que ele tem um bom discurso e, se comparado aos republicanos, está muito mais à esquerda. O que não quer dizer, nem de brincadeira, que ele seja de esquerda ou que vai apoiar qualquer interesse que não seja o dos EUA. Mas convenhamos que seria mais difícil ele comandar a invasão a um outro país, pois foi dos poucos que votaram contra a guerra do Iraque. É muito diferente da postura de um John McCain, que reconheceu que, se preciso for, o exército americano permanecerá em solo iraquiano pelos próximos cem anos.
Mas eu gostava mais da Hillary. O Obama é muito jovem ainda, inexperiente (está no seu primeiro mandato como senador), e podia esperar mais quatro ou oito anos pra se candidatar novamente. Ok, lógico que as coisas não acontecem assim. Nos EUA é até raro um candidato derrotado ter outra chance, ao contrário do Brasil, em que Lula só venceu na sua quarta tentativa (isso seria impensável aqui). Poderia acontecer do Obama perder sua vez e não ter outra chance. Mas pra Hillary, pela idade, simplesmente não vai dar mais. Se Obama vencer as eleições em novembro (torço muito por isso), ele seguramente será candidato a um segundo mandato. É ruim estar na posição da Hillary. Pra ela seria melhor que McCain vencesse, porque estaria velho demais para um segundo governo. E talvez Hillary pudesse ser a candidata democrata. Isso é, se não ficasse com a marca de “sua chance passou” ou de “você ajudou a derrotar Obama”.

Reconheço que a razão que mais me atraía a Hillary era pura e simplesmente por ela ser mulher. Seria mais representativo os EUA terem uma mulher na presidência que um negro (que só representam 13% da população). É meio difícil pra homens (e muitas mulheres) entenderem isso. A Fox, porta-voz da direita nos EUA, desde o começo pregou que essa seria uma corrida em que cor e gênero não contam. Mas como não contam, se todos os 43 presidentes americanos na história foram homens e brancos? Eleitores homens take for granted este pequeno detalhe. Assumem que é natural os eleitores escolherem o melhor candidato, ué, e calha dele ser homem e branco. Sempre. Compare essa reação - “é natural, sempre foi e será assim” - com a da esposa de 68 anos do meu co-orientador (ele apóia Obama, ela apoiava Hillary). Ela me disse que essa era provavelmente a última chance na sua vida de ver uma presidente mulher no comando do seu país. É melancólico sim, e milhões de americanas brancas com mais de 50 anos estão se sentindo assim nesse momento. Órfãs. Abandonadas. O sonho acabou. Procure entender o sentimento. É triste constatar que houve tanta misoginia durante a campanha. Porque a gente imaginava que, apesar do retrocesso dos anos 80, a sociedade tivesse evoluído um pouquinho, e que chamar uma mulher poderosa de “vadia” apenas por ela ser mulher não seria mais aceitável. Engano nosso. E o mais tocante é ouvir o pessoal dizer “Não leve pelo lado pessoal. Não xingamos você, xingamos a Hillary”. Claro. Sendo que a única coisa que me une à Hillary é por ela ser mulher.
Preciso deixar claro que eu nunca votaria numa candidata apenas por ela ser mulher. Nunca gostei da Marg
aret Tatcher (e adoro como usam o nome dela como exemplo de como é comum eleger mulheres, embora ela tenha sido a única primeira-ministra na história da Inglaterra). Quero distância da Roseane Sarney. Jamais votaria na Ângela Amin, ou na Yeda Crusius, e em outras que estão à direita do meu espectro político. Mas adoraria que a Dilma Roussef fosse candidata em 2010. E se ela for, os insultos que ouvirá – que nós mulheres ouviremos, mas não devemos levar pelo lado pessoal – serão parecidíssimos àqueles dirigidos a Hillary.
É certo que Hillary não perdeu apenas pelo preconceito reinante contra as mulheres. Talvez o motivo principal é que ela também seja associada a um certo continuísmo, por ter sido primeira-dama duas vezes. O governo Clinton foi bem-avaliado, mas os últimos governos foram Bush Pai seguido por Bill Clinton duas vezes, seguido por Bush Filho duas vezes. Ter Hillary Clinton poderia parecer como mais uma sequência. E também, muita gente criticava o sentimento de entitlement dos Clinton
. Assim, como se fosse um sagrado direito ela ser a candidata democrata.
Obama ganhou a nomeação, e isso merece ser comemorado. O racismo e a segregação na América não vão deixar de existir por isso, assim como o machismo não desapareceria se Hillary fosse candidata. Mas sempre fica a esperança que o racismo diminua se os EUA elegerem um primeiro presidente negro. Agora que a campanha vai começar pra valer, haverá muito racismo (veja um exemplo de uma camiseta que circula, comparando Obama a um macaco, o Curious George, e outro de uma fotomontagem). Haverá polarização, e espero que ela não seja apenas da ordem branco vs. preto (uma polarização inevitável nos EUA), e sim velho vs. jovem, continuísmo vs. novidade. As feministas americanas têm que cicatrizar as feridas e apoiar Obama. Não entendo como mu
itas dizem que até darão dinheiro pra campanha dele, mas não votarão no moço (nem em McCain, óbvio). Ajudaria a conquistar esse apoio se Hillary fosse candidata a vice-presidente. Por outro lado, Hillary vice também impediria que Obama tivesse um vice mais chapa-branca, mais agregador. Hillary traria os votos das feministas, mas elas são uma parcela minúscula da população. O necessário mesmo será conquistar o voto dos operários brancos mais conservadores. E isso não será fácil agora que a direita começa a chamar Obama de “afro-radical com sobrenome árabe”.


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