O Pequeno Príncipe



Seis horas. Sofia levanta agitada na manhã cinzenta daquela quarta-feira, que estava predestinada para marcar sua vida. Naquele dia teria o encontro que tanto havia esperado. Já estava tudo organizado. O jantar seria servido às 20 horas. Vitela será o prato principal, acompanhado do seu cabernet favorito. O pessoal do restaurante garantira que tudo estaria tranqüilamente perfeito. Seu único problema no momento era o dia, que mal havia iniciado.

Lavar o rosto e escovar os dentes são os últimos passos antes de por o batom. Quando está nervosa Sofia faz tudo ao contrário. Esquece objetos importantes em casa, enquanto perde outros que está de porte. Pega a garrafa de água deixada em cima do criado mudo durante a noite e toma o líquido sem respirar e quase em um só gole. A passos preguiçosos caminha até a vitrola onde seleciona seu disco favorito para os dias cinzas. Astor Piazzolla & Gerry Mulligan. Años de soledad ou reunion cumbre? Que bobagem, vou ouvir do disco inteiro mesmo. Pronto, agora vamos com calma Sofia, porque o dia só está começando e ainda tem muita coisa pela frente.

Uma olhada pra janela, onde a vista quase não a deixa partir de tão perfeito que estava o dia nebuloso. Estou agitada e se continuar assim, logo estarei atrasada. Aumenta o volume do som e caminha para a sala. Alimenta os peixes, acaricia o gato que pede comida com seu ronronar matinal. Vai para a cozinha e pega uma pêra e põe um ovo para cozinhar. Suspira. O relógio marca a hora do seu suplício. Seis e vinte. Vinte minutos e o que fiz: nada!

Na verdade, Sofia contava o tempo a fim de que chegasse a hora de ver Sebastião. Doutor Tião, como muitos chamam na Vila Assumpção, onde mora atualmente e também clinica. Pelo menos foi o que disse para ela durante uma das poucas conversas telefônicas que tiveram. Ele não quis dizer muito sobre si. Sofia termina seu desjejum, de se arrumar e sai para o trabalho, já atrasada.

Quinze horas. 15h05. 15h29. Pronto, hora do lanche. Como sempre caminha pelo passeio, passando pela praça, até chegar a chaminé da usina, mas não entra. Segue reto até a beira do lago e fica vendo o ondular das águas. Na orla vê um senhor com uma menina. Eles brincam, riem, se abraçam e vão embora. Humm, será que ele é assim? Grisalho. Com cara de atencioso. Carinhoso com os filhos a ponto de andar de mãos dadas no parque e comer algodão doce cor de rosa. Vem-lhe um sorriso amarelo ao rosto. Isso eu já não saberei mais. 16h50. Sofia volta ao trabalho agora menos ansiosa do que quando acordou pela manhã. Sem a ausência paterna que a acompanhava nos últimos 30 anos.
Dezenove horas. Sofia entra em casa. Larga a bolsa sobre o sofá e vai até o som. Coloca seu disco favorito para final de tarde. Nei Lisboa - Hein! Liga para o Yuri, seu amigo para todas as horas, e fala de sua decisão. Prepara o banho, tira a roupa, abri um vinho. 19h31 entra na banheira. Às 20 horas deita-se no sofá e começa a reler O Pequeno Príncipe. por mim

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