Ode aos detalhes do cotidiano

Foto: Marcelo Oliveira


Porto Alegre, 6 de julho de 2018.

Cotidiano

Vinha distraída pelo caminho, como acontece sempre que decido fazer o trajeto a pé. Foco o pensamento na agenda do dia, no que tenho que fazer em seguida, e ando. Resolvo o que dá para resolver.

Mas, de repente, mudei. Agi diferente. Em dias de chuva às pessoas ficam nervosas, ansiosas. Algumas até melancólicas. Comecei a ficar mais atenta. 

Cuidava o trânsito; desviava de pessoas e seus cães pelas calçadas úmidas ou irregulares. 

“Engraçado!” Um homem de seus 50 anos levava um cão pela guia por um passeio estreito de pedras. O mesmo em que estava, aliás. Ele deve ter pensado que iria parar para deixa-los à vontade. Não queria. Mas fui condicionada a ser gentil ou servil com o próximo. (Naquele momento eu era essa próxima) Cedi.

Sem sapatos impermeáveis, o normal seria dar a preferência a quem seria mais afetado por poças d’água, lama ou buracos. A lógica e a educação guiavam meus pensamentos, enquanto ainda seguia.

O homem e seu cão não deram passagem. Ao invés disso, mantiveram seu ritmo firme. Seria atropelada se não me jogasse pra via, quase sendo atropelada. Irritada com a situação, tive o único pensamento possível para um gesto obtuso em uma manhã de outono.

- Se fosse loira e magra, ele até pisaria no barro com seu amigo, sorriria e ainda daria bom dia.

Fiquei chateada com o que cogitava: soberba feminina ou falta de educação alheia?

Alguns diriam que isso é mimimi. Eu chamo de educação. Em algumas situações, poderia conceituar como bom senso. Enfim, segui. Esqueci-me do que só eu percebi e senti naquele momento, assim que dobrei a esquina.

Depois de um tempo em vida, de perdas e ganhos, passei a dar importância a pequenos detalhes do dia-a-dia. O que, dependendo das circunstâncias pode ser entendida como coisa de gente de meia idade [sim, eu tenho quase 44 anos], ranzinza, talvez cansada, e, certamente, sem paciência.

Talvez essas minhas reflexões sejam apenas a influência dos astros sobre mim, desde o momento em que abri os olhos neste mundo, às 3h35min de um dia 7 de setembro. E agora isso esteja mais acentuado, ao ponto de fazer comparativos de minhas análises ambientais com meu comportamento em situações semelhantes, mas em momentos antigos.

E na maioria das vezes, agradeço por não ser o que mais recrimino em outras pessoas, nem ontem, nem hoje. Ogro. Gente mal educada ou mal amada. Boçais!

Dava passos rápidos e largos para forçar a caminhada. Não estava a passeio. Era o exercício do dia, além do fato de estar atrasada. Então o sinal abre para o pedestre e sigo em frente, mas tenho que parar por que um condutor apressadinho precisava passar para aproveitar a via livre de outros veículos. Claro, só estava livre por que o sinal estava fechado para motores. Só por isso.

Trânsito é algo que gera muita controversa em mim, mas sou pelo respeito às leis e à vida. Hoje não tenho carro e também não tenho dirigido – o que me alivia o humor consideravelmente. Minha carteira está até vencida e nem sei se vou renovar. Sinto um alívio quando saio a pé ou utilizando transporte coletivo. Tenho outras percepções de vida quando ando distraída de cuidados ao volante.

Vejo outros detalhes do cotidiano... Como nesta quinta-feira, em que minha alma se encheu de sentimentos tão controversos enquanto caminhava até a nutricionista, cerca de três quilômetros de casa.

Sensível, distante 614 metros do meu destino, ouvi uma sirene de ambulância, normal de ocorrer em cidades grandes ou lugares próximos a hospitais. Há pouco tempo, este som me alertava da urgência em dar espaço na via para a oportunidade da vida passar. Como as circunstâncias são outras, só conseguia pensar que alguém poderia estar triste ou agoniado naquele momento.

Torci por melhoras ao estranho e comecei a correr.

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